Se a felicidade está
fora de alcance por aqui, o brasileiro sempre vai encontrar “o jeitinho certo”
de (prostituir) substituir a satisfação. De preferência instantânea. De
preferência barata. De preferência líquida. Não, espera. De preferência
condensada, comprimida, encapsulada e facilmente arranjada. Porque em gotas
demora, em conta-gotas complica, porque fitoterapia é coisa de oriental e
terapia seria supostamente pra Europeu afetadinho. Brasileiro prefere amostra
grátis, dose única, garrafada milagrosa... E é por conta dessa obsessão pelo
antídoto ao invés de tratar ou prevenir, que a gente vive numa era supositório.
E tome-lhe no rabo, toda vez que a gente precisa de solução.
Essa é a melhor
resposta que tenho para a pergunta de uma cínica amiga, que printa em palavras,
quando em seus momentos de cabisbaixa sobriedade invoca o retrato inconformado
de sua incompreensão perante a situação política, acultural e o escambal que se
sucede comumente em nossas vidas, ao nos deparamos com toda a sorte de gente
escrota, praticando suas escrotices, escangalhando com os nossos chakras, com a
nossa paciência e o nosso escasso senso de justiça, se perguntando: “Mas, o que acontece nesse país?” Acontece
como no filme Febre de Rato (Direção de Cláudio de Assis) que esse povo
entorpecido vive de “comer, trampar e trepar”, só. Mas, isto é, se as
perguntas retóricas fossem desejosas de respostas.
A verdade é que as
questões retóricas que nos trazem à luz de alguma reflexão funcional se
alimentam de chasco, ditério, motejo, zombaria e subversão. Elas engordam com
as nossas putarias, as nossas transgressões. E bem por isso, não fico me
demorando nelas. Bem por isso eu prefiro me demorar em bares “copo sujo”,
gargalhadas escandalosas, beijos molhados, sexo do bom, gente de bem e que
ainda sim é safada e fofa. Bem por isso prefiro às vezes ficar guardadinha em
casa na presença de um nego carinhoso, fazendo Poi* e administrando Almodóvar, Tarantino,
Allen, Wachowski, Bukowski e Fela Kuti tal como morfina pra alma. Bem
por isso, cara amiga, brindemos aos costumes condenáveis que lubrificam as
nossas goelas e retos suavizando os desaforos em forma de curra e felação a que
constantemente seremos submetidos nesse cenário pátrio.
Esse fim de semana foi
ébrio de reflexões tupiniquins. Duas películas nacionais concentradas de
idiossincrasias culturais tão familiares quanto perturbadoras, ficaram me
atormentando até o derradeiro momento em que pari este texto. Duas doses
concentradas de hediondezas, revestidas de cinismo e escatologia. Em Febre do
Rato (2011), a poesia embriagada de Zizo, um pária anarquista, reúne suas
revoltas num tablóide que distribui em torno de um Recife gastado, um discurso literário
e passional na intenção de mudar o cenário social da região. Mas o esforço não
passará de um desabafo lirista e mudo, numa terra de gente conformada e
entorpecida, onde a erva cala a revolta e alimenta sonhos pequenos. Lugar onde as
paixões não se consumam, ainda que as vontades transbordem. Febre do Rato enche
os nossos olhos com a disritmia social brasileira e uma dose barata de voyeurismo,
regada a urina de roedores asquerosos, a película é certeira ao direcionar os
nossos olhares para o fato de que lá o corpo fica exposto, o coito é afobado e
o pé é descalço. Aliás como em todo o resto do Brasil.
Já em Cheiro do Ralo
(2002, Lourenço Mutarelli – direção de Heitor Dhalia) o humor negro trata de uma
urgência introspectiva muito comum: a da necessidade à perversão corruptiva e voluptuosa
no brasileiro. No ser humano em si, sim, mas principalmente no aproveitadorismo
de nosso povo, o da troca de favores, de benefícios entre clientes de um
sistema tão carente e sádico quanto ele mesmo, um negociante afetado de uma loja
de quinquilharias que é tão desesperado quanto sua clientela. Com duas
obsessões que compartilham de uma carga analógica fudida no cenário nacional: a
do cheiro do ralo e a da bunda perfeita. Que patriota vivendo nesse país de indisciplina
social não percebe que aqui as coisas na política cheiram muito mal e que a
putaria corre solta como símbolo da belezura libertina que aqui há?
E pra terminar o fim
de semana em êxtase fui apresentada a um escárnio musical delicioso para
abrandar a febre filosofal cinéfila a que fui submetida: Na Poi de Fela Kuti. Um hit nigeriano considerado escandoloso e
subversivo. Na Poi é uma expressão Yorubá e significa “É sexo*!” Fela Kuti era
conhecido por suas performances, e seus concertos eram tidos como bárbaros e
selvagens, isso porque ele vivia no palco uma experiência de arrebatamento,
fazia de cada apresentação sua uma celebração única e inesquecível. Pra essa
intensidade toda a qual me identifiquei simetricamente eis que só posso mesmo definir
a delícia da experiência musical em duas palavras: Na Poi!
Porque se vai me fuder, dá cá um beijinho antes...
Porque se vai me fuder, dá cá um beijinho antes...
Mal escrito e
compilado por Katyucha Ramos