segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Um Salve aos Costumes Condenáveis!


Se a felicidade está fora de alcance por aqui, o brasileiro sempre vai encontrar “o jeitinho certo” de (prostituir) substituir a satisfação. De preferência instantânea. De preferência barata. De preferência líquida. Não, espera. De preferência condensada, comprimida, encapsulada e facilmente arranjada. Porque em gotas demora, em conta-gotas complica, porque fitoterapia é coisa de oriental e terapia seria supostamente pra Europeu afetadinho. Brasileiro prefere amostra grátis, dose única, garrafada milagrosa... E é por conta dessa obsessão pelo antídoto ao invés de tratar ou prevenir, que a gente vive numa era supositório. E tome-lhe no rabo, toda vez que a gente precisa de solução.

Essa é a melhor resposta que tenho para a pergunta de uma cínica amiga, que printa em palavras, quando em seus momentos de cabisbaixa sobriedade invoca o retrato inconformado de sua incompreensão perante a situação política, acultural e o escambal que se sucede comumente em nossas vidas, ao nos deparamos com toda a sorte de gente escrota, praticando suas escrotices, escangalhando com os nossos chakras, com a nossa paciência e o nosso escasso senso de justiça, se perguntando: “Mas, o que acontece nesse país?” Acontece como no filme Febre de Rato (Direção de Cláudio de Assis) que esse povo entorpecido vive de “comer, trampar e trepar”, só. Mas, isto é, se as perguntas retóricas fossem desejosas de respostas.

A verdade é que as questões retóricas que nos trazem à luz de alguma reflexão funcional se alimentam de chasco, ditério, motejo, zombaria e subversão. Elas engordam com as nossas putarias, as nossas transgressões. E bem por isso, não fico me demorando nelas. Bem por isso eu prefiro me demorar em bares “copo sujo”, gargalhadas escandalosas, beijos molhados, sexo do bom, gente de bem e que ainda sim é safada e fofa. Bem por isso prefiro às vezes ficar guardadinha em casa na presença de um nego carinhoso, fazendo Poi* e administrando Almodóvar, Tarantino, Allen, Wachowski, Bukowski e Fela Kuti tal como morfina pra alma.  Bem por isso, cara amiga, brindemos aos costumes condenáveis que lubrificam as nossas goelas e retos suavizando os desaforos em forma de curra e felação a que constantemente seremos submetidos nesse cenário pátrio.

Esse fim de semana foi ébrio de reflexões tupiniquins. Duas películas nacionais concentradas de idiossincrasias culturais tão familiares quanto perturbadoras, ficaram me atormentando até o derradeiro momento em que pari este texto. Duas doses concentradas de hediondezas, revestidas de cinismo e escatologia. Em Febre do Rato (2011), a poesia embriagada de Zizo, um pária anarquista, reúne suas revoltas num tablóide que distribui em torno de um Recife gastado, um discurso literário e passional na intenção de mudar o cenário social da região. Mas o esforço não passará de um desabafo lirista e mudo, numa terra de gente conformada e entorpecida, onde a erva cala a revolta e alimenta sonhos pequenos. Lugar onde as paixões não se consumam, ainda que as vontades transbordem. Febre do Rato enche os nossos olhos com a disritmia social brasileira e uma dose barata de voyeurismo, regada a urina de roedores asquerosos, a película é certeira ao direcionar os nossos olhares para o fato de que lá o corpo fica exposto, o coito é afobado e o pé é descalço. Aliás como em todo o resto do Brasil.

Já em Cheiro do Ralo (2002, Lourenço Mutarelli – direção de Heitor Dhalia) o humor negro trata de uma urgência introspectiva muito comum: a da necessidade à perversão corruptiva e voluptuosa no brasileiro. No ser humano em si, sim, mas principalmente no aproveitadorismo de nosso povo, o da troca de favores, de benefícios entre clientes de um sistema tão carente e sádico quanto ele mesmo, um negociante afetado de uma loja de quinquilharias que é tão desesperado quanto sua clientela. Com duas obsessões que compartilham de uma carga analógica fudida no cenário nacional: a do cheiro do ralo e a da bunda perfeita.  Que patriota vivendo nesse país de indisciplina social não percebe que aqui as coisas na política cheiram muito mal e que a putaria corre solta como símbolo da belezura libertina que aqui há?

E pra terminar o fim de semana em êxtase fui apresentada a um escárnio musical delicioso para abrandar a febre filosofal cinéfila a que fui submetida: Na Poi de Fela Kuti. Um hit nigeriano considerado escandoloso e subversivo. Na Poi é uma expressão Yorubá e significa “É sexo*!” Fela Kuti era conhecido por suas performances, e seus concertos eram tidos como bárbaros e selvagens, isso porque ele vivia no palco uma experiência de arrebatamento, fazia de cada apresentação sua uma celebração única e inesquecível. Pra essa intensidade toda a qual me identifiquei simetricamente eis que só posso mesmo definir a delícia da experiência musical em duas palavras: Na Poi! 
Porque se vai me fuder, dá cá um beijinho antes...


Mal escrito e compilado por Katyucha Ramos