segunda-feira, 31 de março de 2014

Das lorotas que me beijam, prefiro a sua que me seduz...

Ela balança as madeixas louras, sabe que estão irresistíveis: aplique.
Ele simula o sorriso perfeito para o espelho: é implante.
Ela arruma o bojo para adornar as mamas assimétricas afim de salientar as próteses, enquanto ele verifica o condicionamento de seu olhar esverdeado nas belas lentes de contato recém-adiquiridas.
Ela sempre afirma ter 1,70, mas isso inclui o salto. Ele sempre fala do abdômem sarado, mas nunca da lipo.
As unhas e os cílios dela estão continuamente impecáveis: postiços. Sua cintura tem dezoito centímetros e para isso duas costelas a menos.
Aos quarenta ainda não tem nenhum fio branco: química. E a postura dele é sempre ereta no paletó: ombreras.
Vestido bem justo para disfarçar o culote.
Gravata para ocultar o gogó saliente.
A pele do rosto dela é aveludada: lifting.
O furo no queixo dele é projetado: cirurgia.
O nariz dela é empinado: plástica.
Nenhum fio encravado de barba sob o pescoço: laser.
Boca e feição feminina perfeitamente harmonizados: maquiagem.



Se encontraram no interregno das escadas rolantes de um shopping. Olhares cruzados até o fim. Foi ele quem subiu de novo. Mas foi ela quem se aproximou. Se encararam mais um pouco. As vaidades calcularam-se equivalentes. 
Ele fingiu desinteresse. 
Ela simulou indiferença.
Estava decretado o teatro banal da conquista-aleatória. Falso paradoxo.
Ela quer, ele deseja... mas ninguém admite.
Examinam o valor de cada palavra publicada a seu próprio favor, mesuram os gestos, orçam fabulosas propagandas emocionais que agregam ainda mais valor ao físico esmerado... 
Mas a versão atualizada é sempre mais interessante... 
Ele se distrai acompanhando o desfile de uma interpretação fêmea de aproximada graça...
Ameaçada ela derrama a mais atraente das farsas:

__Tenho 23! - (anos) revela.
__Eu também tenho 23! - (centímetros) emenda ele.

O amor pode ser cego, mas ouve muito bem! E adora elogios persuasivos...
Selaram compromisso ali. As alianças são mentiras agradáveis que oferecem um para o outro. Couberam e continuam servindo perfeitamente. Estão muito satisfeitos até hoje. Como não se lembram da data correta comemoram o aniversário de namoro todo 1° de abril.

Escrito por Katyucha Ramos






quinta-feira, 6 de março de 2014

A Bilunga Wi Fi

Eu entediada em casa quando brota uma grana, partiu shopping comer até o óbito. Que comecem os jogos! Vorazes mesmo eram minha fome e esse meu jeito escalafobético de me expressar. Vestes: vestida. Quero dizer com isso que o tipo da roupa era tão desinteressante quanto a necessidade da descrição do traje. A gente não se arruma pra ir ao shopping quando ele vira refeitório, entra no primeiro paninho que encontra limpo.

Pra pedir comida fui chamada de Senhorita. Olhei pra trás pra procurar a tal senhorita, mas era apenas eu lá, uma ogra despenteada com uma fome de fugitivo. Desopilado o tesão oral, me senti pronta para apreciar outras taras, uma escrota por tecnologia como eu, achou que estivesse preparada para namorar um smartphone, protótipo internáutico de última geração, admirá-lo na vitrine interna da loja, dar um beijo e me despedir, mas quando eu estava colocando um cobertor nele e pondo pra ninar, o mentecapto do alarme de segurança desperta alucinado! Cabeças e cabeças cataclísmicas em minha direção. O reino dos suricatos se voltava pra mim! Xêssus! Veio um ânus bípede e desligou os gritos dele. Mas eu continuei em contrações múltiplas. Eu que parecia grávida de sêxtuplos de tanta comida em meu âmago, saí sem dirigir nenhuma palavra a ninguém, porque quase gorfei. Voltei pra casa miúda, hash tag ressentida! Não dá nem pra gestar em paz as vontades que a mídia inventa pra gente saber que sempre quis!

Outro dia, chega em casa uma fatura do cartão, partiu pro shopping again pagar essa caralhuda! Vestes: vestida e de salto alto. A farda continuava lacônica, já o salto é que tenho que treinar a marcha extravagante para a formatura. Nem tão entulhada de resíduos fast food, fui abraçar o mesmo celular. Hoje analfabeta do complexo Dona Redonda, o susto do refluxo era muito recente. 
Antes de entrar: "boa tarde, posso ajudar a senhora em algo?" Perguntou o vendedor suricato. Fatura paga, crédito liberado, acabei comprando uma bilunga Wi Fi qualquer. Mas enfim pude masturbar o protótipo sujeito do meu desejo à vontade e colocá-lo para dormir na posição que eu bem quis. Até postei foto do bonito com a desculpa de testar a bilunga recém-adquirida. Não sei se me senti mais otária do que fiz os outros, ou os dois, mas o fato é que mesmo contraindo dívida com o cosplay phone mais fuleiro, foi melhor do que sair com as mãos abanando e o ventre revirado da vontade de ter sáscoisa que a gente só vai conseguir comprar quando tiver outro que for mais desejado ainda!

Botei a libido aquisitiva pra dormir em berço nada esplêndido, classe C de “Compra o que dá”, classe C de Curra, porque é um cú gostar do que é bom e só poder levar o que lhe enfiam, classe C de Comida porque é uma bilunga apreciar de um tudo e só poder levar quitado de fato o que lhe couber no estômago.

*Este texto é uma homenagem a variação linguística inusitada, deliciosa e ácida de duas amigas internáuticas chamadas Camila Isaac e Mylanne Mendonça e a todos os leitores necromantes ávidos, que por conta de sua paixão viva pela língua, conseguem entender, aceitar e ressuscitar a diversidade no contexto da linguagem sem comprometer os efeitos de sentido! Um salve a vocês!

Mal escrito e compilado por Katyucha Ramos

domingo, 2 de março de 2014

Kamiquase

Somos amantes constrangidos. Eu e ela.
Como o sol e a lua se fitando sem nunca poder consumar. Ela se aproveita de minha fraqueza pra ficar, e ficando me obriga a lhe amar. Eu contrafeito me deixo, me acostumo, justamente por esquecer que gosto havia em saber exatamente onde estavam os beijos que pacificavam minha’lma. É uma relação desgastada desde o começo, me vencendo pelo cansaço de uma insistência doentia!
Ela faz isso. Deixa minha libido insípida. Minha vontade incolor. E minhas lembranças inodoras.
No primeiro dia eu esperneio. Tomo um trago, mando embora. Falo alto. Bato o pé, aponto a porta. Ela e sua intervenção psicopata nunca se comovem. Sabe que se eu faço isso, se me anulo desde o início, o convite é coisa certa, é pra morar.

Então me cerca por dois ou três dias sem se aproximar muito, mas depois me abraça enforcado. Dali não sai mais...
Eu demoro mais a ceder, mas por fim eu a abraço sem reservas à noite, exausto, principalmente aos Domingos.
A relação é encalcada, a compainha é coagida, mas assim prostamo-nos, depauperado, ali estou condenado ao anseio amputado de felicidade no outro.
Ela anula minha noção de companhia. Me inibe, me extenua, me assola e por isso permanece.
Sempre muda. Sempre fria. Sempre imparcial. Não preenche nenhum espaço. Desdenhosa, entorpecente. Não significa. Nunca se ressignifica. Não movimenta. Me irrita com seu humor bipolar e sua companhia é como a descarga de choques mínimos só pra lembrar que está ali, é energia que não conduz. E só vai embora quando questionada, sobre a validade de deixar-se conduzir pela solidão de ser insistentemente ignorada. Some quando percebe que é mais incômoda que a ausência da outra...

Mas volta, porque ainda que rejeitada é a única entidade feminina que pode ocupar o vazio e por vezes chega em nome daquela que eu amo mais que a mim mesmo. Amo e que eu não ouso pronunciar o nome justamente pra não aumentar a autoridade dessa amante usurpadora.

A que fica, desgostosa, se proclama Saudade e tem gosto quase. Não sacia e nunca satisfaz... Só quem já esteve com o primeiro lugar e o perdeu no último segundo sabe o gosto que tem... quase ter chegado lá! 

Escrito por Katyucha Ramos
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