quinta-feira, 23 de abril de 2015

As Rugas da Relação

Eu tenho uma bolsa que tem um buraco no verso, a camurça está desgastada, seu forro tem várias manchas de canetas velhas da faculdade, o zíper está frouxo e as alças foram costuradas. Mas eu ainda insisto nela.
Eu tenho uma Sapatilha que já não tem mais etiqueta, caiu de tão velha. Está desbotada e seu solado está bem gasto. Mas ainda é bonita e não há calço mais confortável. Por isso eu ainda insisto nela.
Eu tenho um casaco puído, mas me veste tão bem. Não há peça que combine com qualquer outra roupa do meu armário senão ele. E eu sempre insisto nele.
Eu tenho três armações de óculos e ainda lentes de contato. Mas há uma armação em específico que eu escolhi a dedo no fundo da vitrine. Era a última e por isso é única. Já soltou uns parafusos, mas eu sempre conserto porque eu insisto nela!
Eu tenho um celular que fez aniversário de seis anos, e eu não tenho coragem de me desfazer dele, simplesmente porque ainda funciona, porque conhece todos os meus amigos e guarda as mensagens deles com honra.
Mas esse texto não é pra falar da minha mania de guardar coisas velhas. Até porque não guardo todas. Me apego pontualmente a certas coisas que significam uma escolha importante minha. A escolha de preservar e insistir nas pessoas também. Principalmente aquelas que escolhi a dedo. Eu entendo que as relações duram,  porque  insisto nelas. E não estou afirmando isso porque eu li num livro besta. 
Daí que outro dia eu tentei explicar meu ponto de vista a uma chata que teimava em afirmar que pessoas brilhantes podem surgir de coligações recentes, que gênios se provam cedo e que relacionamentos maravilhosos surgem à primeira vista, o quanto a história e o tempo são importantes na preservação das relações que realmente valem a pena, mas não obtive êxito, apesar da história da humanidade mostrar o contrário.
Ora, é claro. Porque esse tipo de argumento não existe em palavras, nem há justificativa alguma que comprove o valor dos muitos anos que se acumula numa amizade duradoura...
Essa sustentabilidade se exibe na manutenção dos muitos dias... Na sobrevivência ao desgaste dos anos e no desbotamento provocado pelos conflitos. No ato de não desistir só porque se relacionar é difícil. 
Não há porque esperar que alguém sem rugas, sem cicatrizes, e sem idade reconheça alguma beleza na bolsa rasgada da experiência. Se tudo que ela acha que tem, foi recém adquirido, como afirmar que vai durar, se quando dá problema ela troca. Troca de bolsa, de sapato, de casaca, de namorado, de casa, de trabalho, de vida...
E o fato é que idade importa sim. E quando eu falo idade, falo da história que se sustenta, não a que recomeça todos os dias. E não tem maturidade que justifique as experiências acumuladas com consciência. 
O saldo do que você preserva justifica sim, o que você é. 
Teus namoros não duram mais de dois anos?  Provavelmente você é dissimulado ou egoísta.
Não consegue ficar no emprego mais de um ano. Ou você é pessimo no que faz ou não gosta de trabalhar. Não tem esse negócio de não gosto de trabalhar nisso. Ou faz o que gosta ou é um bundão incompetente.
Não tem amigos (amigos e não colegas) que te amam há mais de quatro anos? Então, provavelmente você é insuportável. E não existe essa história de perdemos o contato, a gente não perde o contato com pessoas que realmente importam, seja honesto com a sua própria canalhice e reconheça.
A sustentabilidade histórica das coisas é um atestado. Que pode ser, muitas vezes, de óbito. 


Eu observei que boas pessoas, as boas mesmo, sempre refletem a respeito e costumam guardar tudo que soma. E pra quem acha que isso é defeito, deixo a minha sobrancelha levantada e um copo transbordando desconfiança. Mas essas são as minhas rugas adquiridas dos meus anos, que já se somam uns bastantes. Eu não sou uma boa pessoa e ainda sim, guardo o direito de salvar tudo o que pode me somar, até que me provem o contrário, a dignidade não será exclusividade dos Santinhos, amém!


A vida, diferente do celular que você trocou recentemente não vem com garantias. Prefiro esperar pra ver. Mas tem gente, que nem espera pra terminar esse texto. 

Escrito por Katyucha Souza Ramos

Nenhum comentário:

Postar um comentário